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Por Ricardo Rossi 

 E se o desejo de viabilizar caminhos pudesse transformar uma comunidade e mudar positivamente a maneira como elas se locomovem? E se pudéssemos ver essa transformação se expandir e ultrapassar limites que nem mesmo o sonho original vislumbrou? 

Todos conhecemos o potencial do Brasil para liderar iniciativas voltadas para um mundo mais sustentável: o desenvolvimento e uso de combustíveis alternativos como o etanol e o biodiesel, o potencial de insolação e correntes de vento que favorecem a implantação de geradores fotovoltaicos e eólicos respectivamente, o uso consciente de seus recursos naturais e a preservação de matas e florestas são exemplos disso. 

Contudo, décadas de políticas nocivas, corrupção e incompetência subjugaram este potencial, deixando o Brasil numa situação de imobilidade e, por vezes, até regressão. A integração comercial com países que trazem consigo iniciativas relevantes em sustentabilidade ajuda o Brasil a acertar seu passo e rever o seu papel no mundo. 

Ainda que a matriz energética brasileira seja uma das mais limpas do mundo, já que é baseada em geração hidrelétrica, o modelo é questionado em seu caráter sustentável, já que a implantação de usinas hidrelétricas ainda interfere consideravelmente nos ecossistemas. 

Alternativas como a geração fotovoltaica e a geração eólica se apresentam bem menos impactantes para o meio ambiente.  

O potencial solar brasileiro é um dos maiores incentivos para a migração de nossa matriz energética. De acordo com o nosso Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, diariamente incidem até 5.5 kWh/m² do território brasileiro. Provavelmente esse número isolado não diz muito para a maioria, mas na prática indica que a região menos ensolarada do Brasil recebe mais incidência solar do que a região mais ensolarada da Alemanha, que é um dos líderes mundiais em uso de energia fotovoltaica. Em Julho de 2020, o Brasil ultrapassou os 6 GW de capacidade instalada de energia solar. 

Desde 2012, a fonte solar acumula investimentos de R$ 32 bilhões e já gerou cerca de 180 mil empregos. Até 2025, a geração solar centralizada possui projetos já contratados em leilões do governo da ordem de R$ 25,8 bilhões. 

Apesar do crescimento, a fonte solar ainda corresponde a apenas 0,4% da energia utilizada pelos 84,4 milhões de consumidores de energia elétrica no Brasil. 

O potencial para investimentos nessa área é enorme: a Canadian Solar, uma empresa canadense desse setor e que já está instalada no Brasil, conseguiu em 2020 um novo financiamento de US$ 30 milhões através do China-Portuguese Speaking Countries Cooperation and Development Fund (CPDFund) para desenvolver e construir projetos fotovoltaicos no Brasil, onde possui um pipeline de 1,7 GW que inclui projetos desenvolvidos e contratados com contratos de compra de energia nos leilões de energia federal e regional. 480MW já estavam sendo gerados até o fim de 2020. 

A energia eólica já é a segunda maior fonte da matriz energética brasileira, representando 9,3% de geração. A maior fonte, a hidrelétrica, representa 59,6%. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica, a capacidade instalada no país alcançou a marca de 16 GW no primeiro semestre de 2020, sendo 637 parques eólicos e 7738 aerogeradores. 

O desenvolvimento da indústria eólica no Brasil pode ser explicado pela qualidade dos ventos brasileiros. São estáveis, com a intensidade certa e sem mudanças bruscas de velocidade ou de direção. 

Dito isso, com todo potencial brasileiro para a geração de energia limpa, ainda que o Brasil não se veja em posição de destaque na condução da pauta da sustentabilidade mundial, o acesso a informação e, acima de tudo, o aumento da consciência global de que algo deve ser feito para frear o caminho da autodestruição permite a observação de dados animadores e que deverão aumentar o peso sobre nossos governantes para alinhar suas atitudes. 

  • 71% dos brasileiros entrevistados pelo ICS – Instituto Clima e Sociedade acreditam que a maior causa da poluição do ar são os meios de transporte motorizados, sendo o “carro” a resposta dada por 42% do total. 
  • 67% dos entrevistados disseram que abririam mão do transporte individual por um mais limpo. Apenas 29% responderam “não”, principalmente porque a individualidade “é mais confortável”. 

Mas a mentalidade brasileira está mudando e acompanhando o desejo de adequar velhos hábitos. Faltam incentivos, mas as oportunidades são muitas. A pesquisa realizada pelo ICS em Março de 2020 revela que os brasileiros já acreditavam que a bicicleta é o melhor meio de transporte para o dia-a-dia, perdendo apenas para o metrô. Possivelmente o metrô já tenha perdido a primeira posição para a bicicleta, já que os efeitos da pandemia ressaltaram a segurança deste veículo frente a transportes que inevitavelmente aglomeram pessoas em espaços confinados. 

Na cidade de São Paulo, por exemplo, 60% dos deslocamentos são entre 2 e 5km, ou seja, a maioria dos trajetos da cidade pode ser realizado de bicicleta. Diante disso, a bicicleta se consolida não só como opção viável, mas também como o melhor meio de locomoção. Algumas empresas tem aproveitado este potencial, como é o caso das também canadenses Cervélo e PBSC. A Cervélo exporta bicicletas e seus componentes para o Brasil, e a PBSC exporta tecnologia para a Tembici, iniciativa brasileira que promove o compartilhamento de bicicletas. 

Quando Maurício Villar criou em 2009 o PedalUSP, mesmo com planos ousados, ele não imaginava que a viabilização de seu projeto de graduação no campus da Universidade de São Paulo poderia ter o alcance que tem hoje. Foram 4 bicicletas para compartilhamento gratuito entre os universitários, que tinham direito a viagens de até 20 minutos para circular na cidade universitária da USP. 

PedalUSP evoluiu para a Tembici, e conseguiu se expandir por várias cidades brasileiras, além de chegar a outras da América Latina, como Buenos Aires e Santiago do Chile. Com uma fábrica no sul de Minas Gerais, a Tembici integrou tecnologia da PBSC Urban Solutions para melhorar a experiência de seus usuários, e passou a ser um exportador regional, enviando bicicletas de compartilhamento com tecnologia PBSC para cidades como Buenos Aires na Argentina e Santiago do Chilee se tornando a maior responsável pelo aumento de 118% nas exportações de bicicletas a partir de 2018. 

De acordo com o sistema Comex Stat do Ministério Brasileiro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o Canadá está entre os 4 maiores exportadores de componentes de bicicletas para o Brasil, sendo que os outros 3 países são todos asiáticos. A maior motivação para importar componentes de bicicletas é a falta de fabricantes nacionais, diz o estudo. 

Tembici acredita ainda que há muito a se conquistar no cenário da mobilidade urbana, mas que já é realidade hoje uma mudança gradual nos deslocamentos dentro da cidade, tanto como forma de prevenção para evitar aglomerações como opção por estilo de vida mais sustentável. Assim, a bicicleta deve viver um futuro otimista, seja por prevenção, incentivo dos governos ou mudança de hábito das pessoas, o que já é visível ao redor do mundo. 

O tema da sustentabilidade vai muito além da mobilidade, mas estes são alguns exemplos de oportunidades que se abrem à medida que novas tecnologias se incorporam às potencialidades brasileiras. 

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“Ricardo Rossi é Engenheiro e atuou em diferentes setores da indústria, liderando projetos em áreas como controle ambiental e mobilidade sustentável.
Como entusiasta e defensor ativo de práticas de inovação sólidas e sustentáveis, Rossi participa do debate para melhoria regulatória e fomento da nova mobilidade, inclusive por seu envolvimento com entidades direcionadas a este e outros temas ligados a tecnologias sustentáveis, com especial enfoque às práticas ESG.”

 

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